Uma jornada prática para compreender, respeitar e valorizar diferentes formas de ser e aprender na primeira infância.
Introdução
Na educação inclusiva e nos cuidados em saúde, entender a diversidade neurológica deixou de ser opcional. Neuroatipicidade descreve funcionamentos que se diferenciam do padrão considerado “típico”. Neurodivergência é um guarda-chuva que inclui autismo, TDAH, dislexia, discalculia, Tourette, entre outros – variações naturais da espécie humana.
Não é a criança que deve “caber” no mundo; é o ambiente que precisa acolher diferentes formas de ser e pensar.
Paradigma da Neurodiversidade
Proposto e difundido por ativistas e pesquisadores (como Judy Singer), o paradigma defende que diferenças neurológicas são parte da diversidade humana, não “defeitos” a corrigir. Reconhece-se os desafios reais, mas enfatiza-se que muitos são amplificados por ambientes e expectativas inadequadas.
Neurodivergência: Condições e Perfis
- TEA – Autismo: diferenças em comunicação social, interesses específicos e rotinas.
- TDAH: regulação atencional, impulsividade e, às vezes, hiperatividade; hiperfoco possível.
- Dislexia: processamento da linguagem escrita afetado, com inteligência preservada.
- Discalculia: dificuldades em números e raciocínio matemático.
- Tourette: tiques motores e vocais; criatividade e pensamento divergente podem coocorrer.
- Altas Habilidades/Superdotação: talentos acima da média com possíveis assincronias.
Comorbidades são frequentes e cada criança possui um perfil único de forças e necessidades.
Percepção Sensorial e Processamento
- Hiper/Hipo-reatividade: sons, luzes e texturas podem ser dolorosos ou pouco percebidos.
- Sobrecarga sensorial: ambientes barulhentos e caóticos podem precipitar crises e retraimento.
- Comunicação: leitura literal, diferenças na expressão emocional, uso de CAA.
- Funções executivas: organização, planejamento e transições exigem apoios explícitos.
Comportamento é comunicação. Observe ABC: antecedente → comportamento → consequência.
Forças e Talentos
- Pensamento criativo e conexões inusitadas entre ideias.
- Hiperfoco em interesses genuínos, gerando expertise.
- Percepção de padrões e detalhes; honestidade e transparência.
Ambientes que valorizam diferenças ampliam a participação e enriquecem todo o grupo.
Ambientes Inclusivos (DUA)
Dimensão | Práticas |
---|---|
Sensório | Zonas com diferentes níveis de estímulo; assentos flexíveis; iluminação sem cintilação; controle de ruído; fones abafadores. |
Comunicação | Instruções claras e visuais; CAA (pranchas, pictos, botões de fala); antecipação de mudanças; tempo extra de resposta. |
Currículo | Múltiplas formas de apresentar/expressar; avaliações diversificadas; aproveitar interesses; dividir tarefas em microetapas. |
Adaptações devem ser naturais e disponíveis a todos, evitando estigmas.
Abordagens Terapêuticas: éticas x desaconselhadas
Baseadas em evidências e centradas na criança:
- Terapia Ocupacional com Integração Sensorial.
- Fonoaudiologia com Comunicação Alternativa e Ampliada.
- TCC adaptada; DIR/Floortime; SCERTS.
Desaconselhadas/controversas:
- Foco exclusivo em “compliance” e normalização sem propósito funcional.
- Intervenções intensivas não consentidas; supressão de stimming sem alternativa.
- Terapias sem evidência; dietas restritivas sem indicação médica.
Meta: bem-estar, autonomia e habilidades funcionais – não “apagar” diferenças.
Colaboração Família–Escola–Saúde
- Comunicação frequente; PEI/planos compartilhados; reuniões curtas e regulares.
- Relatórios objetivos e exemplos observáveis; vídeos (com autorização) para ajuste fino.
- Participação ativa da criança nas decisões, respeitando idade e capacidade.
Autoestima e Autodeterminação
- Falar de neurodivergência de forma positiva e realista.
- Conectar com modelos e comunidades neurodivergentes.
- Ensinar autodefesa/auto-advocacia; oferecer escolhas significativas.
- Celebrar conquistas e interesses especiais.
Conclusão
Inclusão efetiva é intencional: adaptar o ambiente, ensinar habilidades, documentar progresso e fortalecer a identidade da criança. Quando a escola, a família e a saúde trabalham juntas, todos avançam.
Referências
- Singer, J. (1998). Neurodiversity – conceito e movimento.
- CAST. Universal Design for Learning Guidelines.
- Dunn, W. Perfil Sensorial.
- Koegel, R. et al. Naturalistic Developmental Behavioral Interventions.
- Rogers, S. & Dawson, G. ESDM – Intervenção Precoce.
- SCERTS Model – Comunicação Social, Regulação Emocional e Suporte Transacional.
Fontes-base do conteúdo e das práticas inclusivas apresentadas neste artigo.

Psicopedagoga Clínica e Institucional
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Formação em Pedagogia, Psicopedagogia e Educação Inclusiva
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Atuação em avaliação e intervenção psicopedagógica
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Experiência em ABA, alfabetização no autismo e psicomotricidade no TEA
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Aplicação de testes cognitivos e desenvolvimento de recursos adaptados